O recanto
remoto no Quênia que conta a história da raça humana
Melissa
Hogenboom BBC Earth
- 6 janeiro 2016
2ª e última parte
Expansionista
O "Menino de Turkana"
também revelou que sua espécie andava mais como nós do que outros hominídeos. O
erectus centralizava seu peso sobre o pélvis ao caminhar, assim como nós
fazemos. Ele também tinha pés arqueados e uma passada relativamente longa.
O "Menino de Turkana"
também tinha a capacidade de carregar objetos enquanto caminhava. "(O Homo
erectus) deu pistas de como nós humanos nos locomovemos de formas
diferentes de outros hominídeos ancestrais e primatas", explica Shea.
"O erectus era um bom
corredor de resistência e bom de carregar coisas. Se você é capaz de correr,
você pode perseguir. O que perseguia o erectus?"
Há outras evidências apontadas
por outros estudos. A família do menino poderia carregar ferramentas de caça,
como lanças. A anatomia das mãos sugere capacidade de fazê-lo. Lanças não se
fossilizam, mas uma pesquisa de 2013 sugere que o Homo erectus tinha
habilidade para lançar coisas.
Em contrapartida, outras espécies
de primatas têm pouco potencial. E o mesmo se pode dizer de nossos ancestrais
comuns, que passavam mais tempo em árvores.
O Homo erectus é um dos ancestrais humanos
O Homo erectus, então, era
um melhor caçador, o que ajudava na expansão de seu território. Algo bastante
útil, já que o clima variava de maneira extrema naquela época. As florestas em
que ancestrais viveram estavam se transformando em campos abertos, onde humanos
tinham menos locais para se esconder de predadores.
Shea explica que as opções eram
recuar para as arvores restantes ou enfrentar as ameaças de frente.
Ferramentas
O Homo erectus parece ter
escolhido a segunda opção. E pode ter optado por formar grupos, tornando-se
menos vulnerável em atividades como o trabalho e a caça. Consequentemente, a
espécie teria se tornado mais social. Há evidências de que ele sabia transmitir
informações e trabalhar em equipes.
Machadinhas de pedra encontradas
na África e em outras partes do mundo datam do período do Homo erectus e
isso sugere que a espécie podia tanto fabricar as armas quanto compartilhar a
habilidade com outros. Foi no lago Turkana que a mais velha dessas machadinhas
foi encontrada, em 2011, datando de 1,76 milhão de anos atrás.
Ignacio de La Torre, da
Universidade College London, diz que as machadinhas feitas pelo Homo erectus
persistiram por mais de 1 milhão de anos, por serem versáteis – algo como os
canivetes suíços de hoje. Eram, por exemplo, ideais para extrair a carne de
carcaças de animais.
E a persistência de seu uso como
ferramenta ao longo do tempo sugere que a machadinha era uma ferramenta fácil
de ensinar a fabricar. Isso, porém, não quer dizer que o Homo erectus
dominava a linguagem. Shea fez um experimento em que 500 estudantes conseguiram
fabricar a ferramenta sem falar uns com os outros. Ainda assim, as machadinhas
são de confecção mais difícil que as lascas de pedra atribuídas ao Homo
habilis.
Mas o lago Turkana também tem
segredos sobre o que acontecia com os humanos bem antes em sua evolução, antes
mesmo do surgimento do Homo. Em 1974, pesquisadores descobriram na
Etiópia um fóssil de 3,2 milhão de anos de idade da espécie Australopithecus
afarensis, apelidado de Lucy.
Lucy imediatamente surgiu como um
forte candidato a ancestral direto humano, já que se tratava do que mais velho
se encontrara.
Mas descobertas em Turkana
revelaram que havia diversidade na era de Lucy. E, em 1990, uma equipe
comandada por Meave Leakey, filha de Richard, desenterrou um possível
antepassado de Lucy, batizado de Australopithecus anamensis.
Tinha pelo menos 4 milhões de
anos de idade. Anos depois, uma nova espécie foi descoberta: Kenyanthropus
platyopus, ou o "homem da cara achatada". Essa espécie viveu há
3,5 milhões de anos, dividindo espaço com membros da espécie de Lucy.
O solo vulcânico sob o lago ajudou a
preservar os fósseis
Isso mostrou que havia vários
concorrentes para o posto de "ancestral comum" do homem e matou a
ideia de que evoluímos de uma única linhagem. E o lago continua oferecendo
material: em 2015, foram descobertas as mais antigas ferramentas de pedra,
datando de 3,3 milhões de anos. Tais ferramentas são mais antigas que qualquer
fóssil de Homo já encontrado, sugerindo que espécies anteriores também
podiam construí-las.
"Essa descoberta foi
crucial. Antes pensávamos que havia ligação entre a emergência de humanos e a
tecnologia. Mas isso não parece tão verdadeiro agora", afirma De La Torre.
Se o lago Turkana certamente não
foi o único lugar da África em que a evolução humana ocorreu, é uma sorte para
a ciência que ele seja a "armadilha geológica" perfeita para montar
um imenso painel de nossa história, e uma espiadela na vida de nossos
antepassados bem, bem remotos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário