Temer
governará um Brasil turbulento com população no limite
Ricardo Moraes / Reuters
Protestos: Temer é
uma peça permanente do xadrez político brasileiro, mas sua popularidade é baixa
e carece do apoio das urnas
Da AFP
O conservador Michel Temer pretende
suturar as feridas de uma sociedade brasileira economicamente sufocada e
irritada com a corrupção, nos dois anos e quatro meses que lhe restam para
completar o mandato da presidente de esquerda destituída Dilma Rousseff.
A lista de desafios econômicos,
sociais e inclusive judiciais projetam um governo obrigado a obter resultados a
jato antes das próximas eleições presidenciais em 2018, que não poderá
desconsiderar as pressões da heterogênea base de partidos que impulsionou sua
ascensão.
E tudo sob a sombra do escândalo de
corrupção na Petrobras.
Economia
É o maior desafio e a maior aposta: passar de um modelo de viés
intervencionista para outro com maiores liberdades econômicas, que inclui em
seu menu privatizações e um forte ajuste.
Temer conta com o aval da indústria e do mercado. Desde que assumiu
interinamente em maio, após o afastamento de Dilma Rousseff, a Bolsa de São
Paulo subiu cerca de 29%, e o real se valorizou por volta de 15,7%.
Mas o país caminha para seu primeiro biênio recessivo em mais de 80 anos
e, esta semana, os dados oficiais mostraram que o desemprego registrou um
recorde de 11,6% em maio-julho, enquanto o PIB encolheu 0,6% no segundo
trimestre.
"Meu compromisso é resgatar a força da nossa economia e voltar a
colocar o Brasil nos trilhos", disse Temer em mensagem transmitida após
sua posse.
Com um arrocho fiscal estimado em US$ 53 bilhões este ano, para o
analista Harold Thau, da consultoria Técnica, "a prioridade é reorganizar
as contas públicas".
"Não existem mais as condições para continuar gastando mais do que
se arrecada e tampouco há condições para aumentar os impostos",
acrescentou.
Temer nomeou Henrique Meirelles como ministro da Fazenda. Ex-presidente
do Banco Central nos dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), já
anunciou que buscará frear os gastos, flexibilizar o mercado de trabalho e
reduzir o custo das aposentadorias.
Tudo aponta para a volta da ortodoxia. Mas essas iniciativas, além de
impopulares, requerem emendas constitucionais e maiorias especiais no
Congresso.
A primeira prova será fixar um teto para os gastos de 2017, as despesas
deste ano e para a inflação de 2016. Depois, virão batalhas mais problemáticas:
a reforma da Previdência Social e do mercado de trabalho.
Política
Aos 75 anos, Temer, que era vice de Dilma Rousseff, é uma peça
permanente do xadrez político brasileiro. Mas sua popularidade é baixa e carece
do apoio das urnas.
Homem forte do maior partido do país, o PMDB de centro-direita,
construiu seu governo com base em um equilíbrio econômico prestigioso e em um
gabinete multipartidário ligado ao "centrão", maioria no Congresso e
defensor de uma agenda conservadora no campo político e liberal no econômico.
"Não se pode omitir que Dilma foi destituída em parte por sua
inabilidade para se relacionar com o Congresso. Temer deverá conseguir maiorias
fortes e, para isso, tem que fazer concessões", disse Sylvio Costa,
fundador do "Congresso em Foco", especializado na atividade
parlamentar.
"Ele assumiu após um processo que deixa traumas e terá que se
entender com o Congresso e com setores econômicos. Mas, além disso, deve
compreender uma sociedade que, nos últimos anos, demonstrou grande insatisfação
com os políticos", acrescentou.
Em uma segunda votação em separado, na qual se decidiu manter os
direitos políticos de Dilma Rousseff, habilitando-a para exercer cargos
públicos, o próprio mostrou divergências nesta base.
Para o ex-candidato à Presidência e senador Aécio Neves (PSDB-MG), essa
decisão "causou um enorme mal-estar" entre os aliados. Aécio exigiu
de Temer que diga "com clareza até onde vai o compromisso de seu
governo".
Corrupção e
protestos
A corrupção na Petrobras, um esquema empresarial e político que desviou
bilhões de dólares da petroleira, pôs em xeque os principais partidos e seus
dirigentes e questionou os métodos de financiamento das campanhas eleitorais.
As acusações atingiram o governo do PT, mas não pouparam o PMDB, ou o
governo Temer, que em seu primeiro mês de interinidade (iniciada em maio)
perdeu três ministros, atingidos pelo "Petrolão".
Temer nega qualquer vínculo com doações obscuras e não está sendo
investigado.
Com o PT afastado do centro do poder, Dilma e Lula apostam em recuperar
o apoio dos movimentos sociais, que por mais de 13 anos se beneficiaram de sua
ampla agenda de direitos e subsídios à pobreza. Aposta-se também que o
sindicalismo se reative com as reformas.
"O povo não é indiferente ao que está acontecendo", disse a
senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), defensora do mandato de Dilma.
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